segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Alma: Conexão



Mas então, dirão vocês, toda essa questão das Três Almas é muito interessante, mas qual é o valor prático dessa idéia, como posso usar esses conceitos na minha vida?
Primeiramente, quero deixar claro que isso não é um dogma, uma revelação divina, um artigo de fé - eu fui apresentando exemplos do dia-a-dia que todo mundo já vivenciou, de modo a fundamentar a teoria na experiência de quem a lê, para que sua validade, ou ausência da mesma, seja fruto de observação pessoal e não algo no que crer sem discussão. O Druidismo é uma forma de espiritualidade que, não à toa, tem a árvore como símbolo: uma criatura viva que, não importando quão alto seus ramos alcancem, está profundamente enraizada no solo, sem o que o menor sopro de ar pode derrubá-la por terra.
Assim sendo, a questão passa a ser esta: como podemos usar o conhecimento da triplicidade da alma de modo útil e benéfico? Já vimos antes que uma definição de Druidismo é centrada no relacionamento correto entre todas as coisas, e já tivemos alguns insights sobre a dinâmica da relação entre as Três Almas: falta apenas explorar a possibilidade de um contato consciente e imediato da Alma Oceânica com suas parceiras Telúrica e Celeste, e pensar em métodos práticos para esse contato. O exercício abaixo foi adaptado da Tradição Feri de bruxaria, que também reconhece a alma tríplice e trabalha extensivamente com isso.
Um passo inicial seria uma declaração de propósito: respirar fundo, concentrar-se, e dizer algo como

"é minha intenção conhecer todas as partes de meu ser, para que as Três Almas sejam como uma, alinhadas em harmonia"

...como se sente ao dizer isso? Alguma reação física, pressentimento, imagem vem à percepção? Anote o que ocorreu, relace, tire isso da cabeça por enquanto, deixe essa idéia-semente afundar e criar raízes no fundo da mente.
Quando estiver acostumado com a idéia, você vai ser "avisado" via sonhos, presságios ou uma sensação do tipo "é hora!" - arranje tempo & um lugar tranquilo, possivelmente já na cama, pronto para dormir.
Respire fundo três vezes, repita a sua declaração de propósito, e fique quieto. Centrado no peito, ponha a mão no coração e sussurre "eu", toque no umbigo e diga "nós", toque no alto da cabeça e diga "um". Expire e sinta um fluxo de calor descer do coração ao umbigo, inspire e sinta que ele retorna do umbigo ao coração, repita devagar até sentir que o elo se formou. Faça o mesmo entre o coração e o espaço acima da cabeça, respirando calmamente. Agora expire do coração, passsndo pelo umbigo, e subindo ao alto da cabeça, expire daí ao coração passando pelo umbigo, sinta os três pontos conectados e em comunicação plena, contemple a união (se quiser pode usar as palavras eu/nós/um do começo na fase da respiração, como um mantra).
Quando achar que já foi o bastante, solte o ritmo respiratório, sinta os pontos unidos e diga "que eu me conheça em todas as minhas partes", agradeça, encerre, durma (e preste atenção nos sonhos!).
Com o tempo, você vai conhecer suas outras Almas a ponto de poder dar nome a elas (ou aprender os nomes delas, o que dá no mesmo) e aí poder abrir o contato simplesmente chamando-as pelo nome: "X, ajude-me a me recuperar deste resfriado", "Z, qual é a conduta correta a seguir neste caso?"
Tente pensar em si mesmo cada vez menos como "eu" e cada vez mais como "nós", uma parceria, um casamento a três para a vida toda, e cresça fortalecido pelo Mistério desta união.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Alma: Morte



E o que acontece na hora da morte, qual o destino das Três Almas? Vamos usar a estrutura já vista dos Círculos da Existência como base para discutir isso num esquema mais amplo.
Para a Alma Telúrica, a aproximação da morte é recebida com o pavor do instinto de preservação ativado, e ela vai lutar enquanto puder, mas paradoxalmente o instante da morte em si é recebido com algo próximo da aceitação, sobretudo após uma longa doença; já vimos que o senso de "eu" é exclusivo da Alma Oceânica, não está aqui, porque ela sabe instintivamente que, muito embora ela vá se dissolver e os elementos densos e sutis que a compôem vão se separar e ser reabsorvidos no círculo de Annwn, o abismo primordial de onde vieram, a experiência de vida que ela acumulou será preservada e, digamos assim, "reciclada" para formar novas Almas Telúricas, cada uma com fragmentos das Almas que a antecederam - é interessante lembrar que, como nossos avós diziam, antigamente os bebês nasciam de olhos fechados e só os abriam dias depois do nascimento, e que isso já não ocorre, o que aponta para uma progressiva ampliação da consciência coletiva que é individualizada nas Almas Telúricas.
O verdadeiro terror da morte, no entanto, está no coração da Alma Oceânica, que tem um senso de "eu" e teme sua extinção após a morte, especialmente se não tiver alguma religião ou filosofia que ensine a imortalidade da alma - mas, como já vimos, se o ser vive várias existências, e em cada uma delas começa do zero, isso sugere que ela não sobrevive intacta à morte, porque seu plano de existência é o círculo do Abred, a roda dos renascimentos, a cada vez com uma nova identidade sem lembrança consciente das identidades anteriores.
É na Alma Celeste que o medo da morte inexiste, porque ela já habita, mesmo durante a encarnação, o círculo de Gwynfyd, o mundo da vida eterna, e no momento da morte ela, num último gesto, toca as Almas Telúrica e Oceânica e recolhe as memórias e experiências de vida relevantes, a sua colheita daquela encarnação, guardando-as consigo junto com todas as experiências das vidas anteriores, sem contudo identificar-se com alguma em particular.
É curioso notar que a Alma Telúrica é imortal mesmo que não perene, e a Alma Celeste é verdadeiramente imortal e perene, e é a Alma Oceânica, aquela que chamamos de "eu" e que é geralmente a única da qual temos conhecimento, aquela que nem é imortal nem perene, que só persiste como memória guardada pela Alma Celeste...
Mas vejam, isto só se aplica aos casos de morte natural, por velhice ou doença - e quanto às mortes súbitas e violentas, por agressão ou acidentes? Nestes casos, é possível às Almas Telúrica e Oceânica persistirem algum tempo após a morte, dando origem ao fenômeno das aparições de "fantasmas" - a Alma Telúrica, ou a sua parte sutil, permanece como um amálgama de instintos, apego/aversão e energia vital não- desgastada pelos processos de morte natural, sem as Almas superiores para guiá-la, e vai estar suficientemente próxima do mundo material para ser capaz de manifestação física, gerando ruídos, toques, às vezes aparições do tipo poltergeist, mas sem nada que sugira uma inteligência ou identidade por detrás, durando até gastar a energia vital e então se dissolvendo no abismo do Annwn; a Alma Oceânica pode persistir, quanto mais apegada à existência for a sua personalidade, e quando aparece pode até ser capaz de comunicação, mas o que se observa mais parece uma gravação, repetindo frases e padrões de comportamento, sem originalidade ou vontade própria, até se dissolver no Abred. As aparições da Alma Celeste são raríssimas, sempre com um propósito maior que o mero apego à existência terrestre, e aí ela se vale da memória para "recriar" a personalidade original da Alma Oceânica como uma interface para a comunicação, que é verdadeiramente original e criativa: o exemplo de Fergus mac Roich , surgindo em seu túmulo e ensinando a narrativa do Táin Bó Cuailnge ao Bardo que sem querer o evocou, seria um exemplo clássico na tradição Druídica.
Quando chega a hora, se a Alma Celeste ainda não está pronta para permanecer definitivamente no Gwynfyd, ela escolhe cuidadosamente as condições da nova encarnação, com ajuda dos Deuses, Ancestrais e Espíritos, e desce para se unir às novas Almas Oceânica e Telúrica recém-formadas, e a Roda das Existências dá um novo giro.

Alma: Memória



Outra manifestação humana que vai ser expressa de modo diferente pelas Três Almas é a memória, ou talvez devesse dizer memórias...
A Alma Telúrica tem uma memória poderosa, e não apenas a dos instintos atávicos de milhões de anos, mas a memória das crianças, que aprendem com facilidade qualquer coisa e nunca esquecem - pense nas coisas que você aprendeu na escola e que, mesmo que nunca vá precisar delas, estão fixadas para sempre - uma memória quase automática, especialmente das coisas feitas pela pessoa com as mãos ou a voz, porque a repetição é a chave (e é por isso que crianças querem a mesma história repetida vezes sem fim).
A Alma Oceânica já não tem a mesma facilidade para lembrar, e foi por isso que várias culturas criaram métodos de memorização que apelam para a lógica e associações de idéias similares (lembrar do número 51 como "uma boa idéia", por exemplo); essa é a memória do adulto, já não automática, exigindo estratagemas para se manter e reforços periódicos para não se perder.
A Alma Celeste, por sua vez, apresenta uma memória que é mais típica do idoso, a memória afetiva/moral - as coisas são lembradas pelo sentimento que evocaram, assim como pelas consequências dos eventos e atos ocorridos, e o que se aprendeu com as mesmas; uma memória que, à primeira vista, parece menos prática que as outras duas, mas que, se tudo correu bem, é a base da sabedoria adquirida ao longo da vida, e vai ser importante quando formos analisar o próximo tema.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Alma: Amor



Outra situação de vida onde podemos analisar a tripla Alma é a dos relacionamentos de amor/amizade.
A Alma Telúrica acredita no amor à primeira vista - como já vimos, ela é capaz de avaliar a sua contraparte nas pessoas que encontra e instantaneamente desenvolver apego ou aversão (a tal da "química"), muitas vezes arrastando consigo as Almas acima dela em situações dramáticas, intensas, e quase sempre efêmeras (parece que há um componente bioquímico envolvido que é programado para deixar de funcionar após alguns anos...); mesmo nas relações de amizade esta afinidade bioenergética tem seu papel, a Alma Telúrica passa a ver o novo amigo como sendo da mesma matilha, por assim dizer, e o encara de modo possessivo e protetor, fundamentada em instintos tribais com milhões de anos de prática.
Para a Alma Oceânica, são os fatores pessoais/culturais que pesam: o amigo/amante o será se tiver gostos, hábitos, preferências similares ou no mínimo compatíveis, e muitas vezes uma preocupação com a "conveniência" ou não daquele relacionamento também terá um papel na decisão de ir em frente com isso ou não - diferentemente da sua parceira instintiva, ela precisa de tempo (e muuuuita conversa...) para avaliar sua contraparte e decidir se ambas combinam ou não.
Em ambos os casos, a Alma Celeste simplesmente olha para baixo e observa o que acontece - por sua própria natureza, as Almas Celestes são todas compatíveis entre si, podem fazer par com qualquer outra e tudo bem - mas lhes interessa, e muito, o que podem aprender com o outro indivíduo e as características das suas Almas Oceânica e Telúrica, e quando encontram aquela combinação de traços de personalidade que pode lhes dar a experiência que buscam, elas sinalizam para as Almas abaixo, que recebem isso como um pressentimento ("é essa pessoa!").
Mas a questão é que muitas vezes o relacionamento não dura: as Almas Telúricas perdem a química (e então simplesmente desapegam uma da outra, sem ressentimentos), as Almas Oceânicas mudam de gostos e de caminhos (e aí ou se separam amigavelmente, ou acusam uma à outra de "não ser mais a mesma", ou se apegam por convenção social ou conveniência pessoal - tudo é sempre complicado com elas!), e as Almas Celestes simplesmente agradecem uma à outra pelo plano bem-sucedido e seguem seus caminhos um pouco mais sábias pelo encontro.