sexta-feira, 31 de julho de 2015

Alma: Sono



Tendo analisado as características das três Almas humanas, e esboçado um pouco das relações entre as mesmas, vamos prosseguir examinando uma situação universal, um estado de ser que ocupa um terço do nosso tempo de vida : o sono.
Do ponto de vista da Alma Telúrica, o sono é simultaneamente repouso e trabalho - ao mesmo tempo em que ela baixa a guarda e interrompe a observação constante do meio, ela também se ocupa da restauração fisiológica: ninguém se dá conta do desgaste sofrido pelo organismo durante o dia porque o cortisol, o hormônio diurno, inibe a resposta inflamatória e permite que permaneçamos ativos e funcionais até a hora de dormir (quando o cortisol decresce e nos damos conta de estarmos literalmente "quebrados"); então, durante o sono, o hormônio noturno, o hormônio de crescimento, assume a vez e inicia o reparo dos tecidos inflamados e a depuração das toxinas produzidas, para que, se tudo correr conforme o esperado, o indivíduo acorde pela manhã completamente restaurado e pronto para mais um dia.
Para a Alma Oceânica, o sono é muitas vezes visto como um transtorno indesejado - se dependesse dela, permaneceríamos acordados o tempo todo, empenhados em mil atividades diferentes - mas ela necessita desta parada compulsória para classificar e arquivar o registro de tudo o que fez, pensou, falou e aprendeu na memória profunda (uma das primeiras consequências da privação de sono é a perda da memória de fixação, o indivíduo começa a se aperceber de que esquece facilmente das coisas e não aprende coisas novas direito). O processamento emocional também ocorre à noite, em sonhos/pesadelos emocionalmente carregados, e muitas vezes expressando as emoções reprimidas em vigília de modo camuflado em sonhos simbólicos acessíveis à interpretação em processos psicoterapêuticos.
Para a Alma Celeste, que já está meio fora do corpo, é hora de rever o dia e seus aprendizados, planejar o dia seguinte, e mandar mensagens, que a Alma Telúrica veste em roupagens simbólicas e apresenta à Alma Oceânica nos sonhos - aí se faz necessário discernir quais sonhos são o reflexo do dia passado e quais são mensagens de níveis transcendentes de consciência (dentre esses, os que contém mensagens de fora, dos Deuses, Ancestrais e Espíritos da Natureza).
Assim sendo, qual seria a preparação ideal para o sono? Dar à Alma Telúrica o conforto necessário para o sono restaurador, meditar um pouco para desacelerar o diálogo interior da Alma Oceânica, e rezar para as três Famílias para inspirar a Alma Celeste para que ela oriente todo o planejamento do dia seguinte - experimentem isso por uma ou duas semanas e vejam o que acontece...

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Alma: Celeste



E quanto à Alma Celeste, o que há para falar? Que experiência temos da presença e ação dela em nossas vidas?
Ela é tão impalpável que, das filosofias que a reconhecem, a maioria diz que ela nem mesmo está plenamente encarnada, mas permanece acima da cabeça, visível (para quem pode) como um globo luminoso - aquelas imagens clássicas do Anjo da Guarda que o retratam zelando por crianças, o mostram com uma estrela brilhando acima dele, aludindo a esse aspecto não-corporal desta alma em particular (mesmo que seu centro de ação esteja na cabeça, associado ao Caldeirão da Sabedoria, que nasce virado para baixo e, portanto, vazio).
Já vimos que a Alma Telúrica é ativa desde a vida intrauterina, e que a Alma Oceânica surge plena com a aquisição da linguagem, ambas em constante atividade enquanto houver vida - mas a Alma Celeste permanece silenciosa nos bastidores da consciência durante a maior parte da vida, apenas registrando as experiências de vida do indivíduo; ocasionalmente, e em especial nas situações em que grandes decisões, sobretudo as de ordem ética, devem ser tomadas, ela toca as almas abaixo dela e infunde a intuição de como agir: geralmente só a Alma Telúrica percebe a sua presença e retransmite essa intuição codificada como um pressentimento para a Alma Oceânica, que pode ou não receber a mensagem e agir de acordo. Quem nunca teve esse tipo de pressentimento em situações de crise moral e, subitamente, sentiu como se o tempo parasse para a decisão ser tomada, e só bem depois viu que um grande risco pessoal foi evitado por essa decisão?
É necessário esclarecer que essa "moralidade" da Alma Celeste nem sempre está de acordo com os códigos morais da sociedade, internalizados pela Alma Oceânica durante a sua educação, e às vezes está mesmo em oposição a eles - uma frase de Isaac Asimov, dita por um personagem da série da Fundação, descreve bem essa situação: "nunca deixe o seu senso de moralidade impedir que você faça o que é certo!"
A Família associada a ela é a dos Deuses, e ela própria pode ser considerada como uma divindade "aprendiz", sendo guiada por um ou mais Deles, esteja a pessoa consciente disso ou não - no caso do indivíduo estar num caminho espiritual e buscar conscientemente o contato divino, a presença dos seus Padroeiros é cada vez mais percebida conscientemente, e é aí que a manifestação da Inspiração ocorre.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Alma: Oceânica



Agora estamos em terreno conhecido (ou quase): quando dizemos "eu" e pomos a mão no peito, é da Alma Oceânica que falamos e é com ela que nosso senso de personalidade se identifica. Nascida da cultura e da família, assimilando-as desde o nascimento biológico, o momento crucial na sua formação é a aquisição da linguagem, lá pelo final do primeiro ano de vida - a partir daí, a percepção clara do meio ambiente que a Alma Telúrica fornecia passa a ser "filtrada" pela linguagem. Você não pode olhar para uma árvore sem que a Alma Oceânica imediatamente diga "árvore!" e a associe a todas as árvores já vistas ao vivo ou imagens delas, ou seja, você abstrai um conceito arbóreo que pouco ou nada tem a ver com a arboridade daquela árvore particular à sua frente.
Dito assim, o dom verbal até parece um defeito - William Burroughs escreveu (e Laurie Anderson cantou) que "a linguagem é um vírus" - mas obviamente o problema está no uso errado desse dom: não será o Druidismo, que tem a casta dos Bardos no centro do seu sacerdócio, que fará uma denúncia do dom que cria obras-primas de música e poesia.
Quando meditamos no silêncio moderado de um bosque fechado, ou no silêncio abissal do espaço profundo, é quase com um choque que o incessante ruído do mar, calmo ou tempestuoso, surge em comparação: esse é o motivo pelo qual eu escolhi chamar esta alma de Oceânica, porque seu estado natural é o do diálogo interior sem fim, entremeado de músicas ouvidas, séries assistidas, conteúdos se sucedendo em marés e ondas...é de se admirar que virtualmente toda disciplina espiritual digna do nome insista na prática da meditação como um meio de quebrar a possessão verbal que acomete a Alma Oceânica e permitir que ela pare para ouvir a voz instintiva da Alma Telúrica ou os sopros da Alma Celeste?
O centro de comando da Alma Oceânica é, como já vimos, o peito, de onde vibra o ar e o som da fala, onde a maioria de nós localiza o eu, e onde está o Caldeirão da Vocação, que nasce virado de lado e, portanto, semi-cheio; é pela vivência e transmutação das emoções, em especial a Alegria e a Tristeza, que esse caldeirão é virado para cima e pode ser preenchido com a força emocional que dá o impulso criativo para a ação no mundo.
Como ela nasce e é alimentada pela cultura humana, são os Ancestrais (que ajudaram a criar essa cultura) os seres que mais se associam a ela: é na personalidade que encontram-se, por vezes, pequenos traços de comportamento que revivem os de algum antepassado próximo ou distante, e muitas vezes um ou mais dos Ancestrais guia a Alma Oceânica durante a vida, mesmo que ela nunca venha a se aperceber disso pela sua surdez intrínseca...
É por essa surdez, típica de quem só quer falar e não ouvir, que na maioria das vezes a Alma Celeste e/ou entidades das Três Famílias transmitem suas mensagens diretamente à Alma Telúrica, que fala pouco mas está sempre de orelha em pé, e que acaba passando o recado à sua irmã tagarela por pressentimentos ou sonhos - mas, se a pessoa pratica meditação e aprendeu a silenciar esse diálogo, o Oceano se torna um lago/espelho, onde as intuições podem ser refletidas clara e conscientemente, e é esse estado um dos objetivos da meditação druídica.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Alma: Telúrica



Começaremos pela Alma Telúrica, porque ela está mais próxima da experiência perceptiva, devido à sua relação particular com o corpo - na verdade, como disse William Blake (que também era Druida), talvez seja melhor considerar o corpo como sendo o aspecto visível da alma, e não como um ente separado da mesma...
Essa alma nasce diretamente do seio daquela força que chamamos, na falta de nome melhor, de Natureza; as substâncias materiais são agregadas e organizadas no seu campo de força, dotadas de energia vital, e o todo apresenta uma consciência própria que se comporta como um animal o faria - tem percepção clara do meio ambiente (na verdade, até mais clara que a nossa, porque o hábito verbal da Alma Oceânica se interpôe entre ela e o objeto da percepção), instintos de autopreservação aperfeiçoados por bilhôes de anos de experiência, e mesmo as proto-emoçôes de apego e aversão para guiar respostas mais complexas que o instinto. Assista uma partida de futebol e verá a Alma Telúrica em ação: cada jogador centrado no seu corpo e nas reações do mesmo, instintivamente apegado aos membros da sua matilha/time, sincronizado com eles em estratégias atávicas de caça à bola, e apenas uma fração da Alma Oceânica para manter o respeito às regras da arbitragem e à tática do técnico. Muita gente dentro das religiões Pagãs tem uma noção mais nítida desse ser animal em seu interior, e erroneamente pensa nele como sendo o seu Totem/Animal de Poder (que é uma entidade externa ao indivíduo, não parte dele - talvez o Totem seja o guardião da Alma Telúrica, seu orientador e protetor dentre os Espíritos da Natureza).
Embora a Alma Telúrica habite o corpo inteiro, seu centro está no ventre, associado ao Caldeirão do Aquecimento (que é o único dos três que já nasce na posição certa, virado para cima, e assim fica totalmente cheio da força vital que o indivíduo vai utilizar em sua vida).
Mas ela não se limita a ações "primitivas"; quem aprendeu a dirigir, escrever, andar de bicicleta, datilografar sem olhar o teclado, na verdade "adestrou" seu animal interno, que agora consegue realizar ações extremamente complexas sem que a mente racional precise pensar nelas -- tente escrever à mão e ao mesmo tempo fazer conscientemente cada movimento da caneta, e veja como o resultado é sofrível quando comparado à naturalidade do escrever sem pensar...
Ela está em constante intercâmbio com outras da mesma espécie: entrando numa sala cheia de gente, já nos primeiros segundos a Alma Telúrica identificou aliados, adversários e indiferentes, e é a fonte daquelas simpatias/antipatias à primeira vista, totalmente irracionais e supostamente imotivadas, a que estamos sujeitos. Ela também se comunica com a Alma Oceânica, mas por ser pré-verbal essa comunicação é feita de sensações físicas (arrepios, calor/frio, o famoso frio na barriga) e imagens (devaneios, sonhos), e pelos mesmos meios é possível fazer contato com ela e pedir sua colaboração.
Trate bem dela, cuide para que suas necessidades de segurança, alimento, repouso/exercício, prazeres carnais sejam satisfeitas a contento, tenha para com ela o cuidado e carinho que você dá ao seu cão ou gato, e ela responderá com vigor físico, saúde preservada, instintos seguros e infalíveis para guiá-lo.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Alma: Introdução



No último post vimos a idéia de que a alma não necessariamente permanece identificada com a personalidade que apresentava na última encarnação; desde então venho meditando sobre essa questão da alma e sua natureza, e quero compartilhar algumas idéias que me ocorreram a respeito, tantas que será preciso mais que um post para desenvolver o tema mais extensamente.
Começo com um postulado meio polêmico, o da pluralidade da alma - cada indivíduo, incluindo quem lê isto, tem mais de uma alma, todas diferindo em natureza e função, e com destinos diferentes após a morte. Bom, isso não foi invenção minha, várias culturas chegaram a este conceito: possivelmente os Egípcios tem a teoria mais conhecida e complexa (9 almas, o Ka, Ba, Sekhem, Ren, etc) mas os Germânicos, mais perto do universo Celta, também concebiam uma hoste de entidades distintas funcionando harmonicamente para manter a coesão da personalidade humana; de minha parte, eu vou descrever uma divisão de três almas, porque é um número druídico por excelência e porque existem paralelos suficientes com outras triplicidades para justificar essa divisão - já fomos apresentados aos Três Reinos celtas, Céu, Mar e Terra; já examinamos o conceito dos Três Caldeirôes, Ventre, Peito, Cabeça; já falamos das Três Famílias, Deuses, Ancestrais, Espíritos da Natureza; assim sendo, partindo do princípio de buscar analogias neste mundo e no Outro Mundo, vamos prosseguir.
Vamos considerar a alma "superior", aquela que as teologias chamam de alma propriamente dita, como tendo algo da natureza do Céu, da Cabeça no corpo, e dos Deuses - que imagens esses símbolos evocam? Clareza, transcendência, eternidade: até aí, nada de novo...mas vamos meditar agora na Terra, no Ventre no corpo, e nos Espíritos da Natureza, e o que surge no olho da mente? Algo corpóreo, denso, instintivo, "primitivo", mas a seu modo tão poderoso e antigo como a alma tradicional, não?
E essas duas almas, tão opostas entre si, duas retas paralelas que nunca se tocam, como podem interagir uma com a outra, diferentes que são? Talvez, quem sabe, um terceiro termo na equação, algo mais sutil que a matéria mas mais denso que o espírito...algo com a natureza do Mar, do Peito no corpo, dos Ancestrais, fluido, móvel, adaptável mas também, diferentemente dos dois anteriores, mais característicamente "humano" e pessoal...conseguem sentir isso em si mesmos?
Então chegamos no ponto de perceber três almas, que poderíamos chamar de Alma Celeste, Alma Telúrica e Alma Oceânica (estou deliberadamente rejeitando termos como superior, média, inferior para evitar preconceitos e juízos de valor: as três são idênticas em status e importância no ser integral, por mais diferentes em natureza e função que sejam), e vamos examinar cada uma com mais detalhes em postagens futuras.